12/07/2016

Almas danificadas

Garota tomando café na cozinha

O cheiro de café fresco invadia minha narina e me fazia lembrar de quando minhas mãe acordava cedo para preparar o café da manhã para mim e para meu pai. Não sei bem quem o estava fazendo no momento, mas tinha certeza que não poderia ser minha mãe e nem meu pai, pois ambos estavam mortos fazia anos.

Fecho os olhos permitindo-me voltar no tempo por alguns instantes. Vejo o sorriso caloroso da minha mãe e automaticamente meus lábios se abrem em um sorriso prazeroso. Seus cabelos castanhos caem como cascatas por suas costas e ela se reclina para beijar minha testa carinhosamente como sempre fizera.

O barulho vindo da cozinha me faz voltar ao presente e sair de meus devaneios imediatamente. Sinto uma lágrima escorrendo pelo meu rosto e suspiro. “O que aconteceu na noite passada?” me pergunto em pensamento. Quase que instantaneamente flashes dos acontecimentos da noite surgem em minha mente.

— Preciso parar de beber. — resmungo espreguiçando meu corpo.

Levanto da cama indo até meu banheiro e me olho no espelho. Estou um caco. Meu rosto está pálido e amassado, meu cabelo está embolado e para ser sincera pareço ter sido atropelada por um caminhão. Xingo baixinho e abro a torneira colocando minhas mãos em concha embaixo da água. Jogo a água gelada em meu rosto para despertar mais rápido e escovo meus dentes. Volto para meu quarto e fico protelando se devo descobrir quem trouxe para passar a noite em casa ou se finjo não saber que havia mais alguém na casa. De qualquer maneira terei que me livrar do estranho que está em minha cozinha fazendo café da amanhã e não conheço maneira melhor do que ser direta e dizer que a noite passada foi um erro.

Sem querer perder a coragem saio do quarto indo até a cozinha, onde um homem de uns 26 anos está parado apreciando a vista da varanda dos fundos, o que faz com que ele esteja de costas para mim. Ele veste apenas uma calça jeans sem camisa. Mesmo de costas dá pra ver que seu corpo é bem definido. Balanço a cabeça para me livrar das imagens que começam a invadir minha cabeça e pigarreio para chamar sua atenção.

O homem se vira. Está com uma caneca de café na mão e ao me ver esboça um sorriso que diria no mínimo encantado. Não gosto da forma como ele sorri e isso faz meu estômago se revirar. Tento parecer simpática e lhe digo bom dia enquanto me sento à mesa e me sirvo de um pouco de café. Antes de começar a falar tomo um longo gole que desce bem quente por minha garganta esquentando todo o meu corpo. Vejo-o se sentar em minha frente e dou um longo suspiro.

E então começo com meu discurso. Digo que não lembro de muito da noite passada e que não sou o tipo de mulher que sempre traz homens que conheceu na balada para casa. Ele concorda como se me conhecesse e diz que eu não deveria me sentir mal por ter gostado tanto dele que resolvi dormir com ele, pois ele também gostou de mim. Reviro os olhos com tais palavras e faço um esforço para não deixar de ser simpática. Volto a falar só que dessa vez sem fazer muita questão de me importar com sua opinião.

Lhe digo que a noite passada fora um erro e que não iria se repetir, então ele pergunta porque. Exasperada reviro os olhos novamente e suspiro. Explico que eu estava bêbada e por isso fiquei com ele e ainda o trouxe para minha casa, depois digo-lhe para terminar o café se vestir e sair, pois amigos meus estavam vindo e eu não queria contar-lhes sobre o que havia feito na noite anterior. Perplexo ele apenas deixa a caneca na mesa, volta ao meu quarto e veste a camisa. Sem dizer uma palavra ele sai pela porta da sala. Posso dizer que saiu porque consigo escutar a porta abrir e fechar com certa força.

Finalmente respiro aliviada deixando meus pensamentos vagarem para uma época em que eu não era essa mulher que sai, enche a cara, leva um desconhecido para casa e depois o expulsa no dia seguinte como se tudo fosse apenas parte da rotina. Eu era alguém melhor e talvez me arrependa por ter mudado.


Mas a verdade é que quando a alma de uma pessoa está muito danificada pelos sofrimentos do passado ela muda, é inevitável. Algumas pessoas se tornam frias com o tempo, outras passam a beber para esquecer o passado e algumas — como eu — simplesmente passam a fingir que não tem problema nenhum na vida, mas continuam sentindo-se vazias o tempo inteiro.

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